Categorias: Minimalismo

Preciso lidar com o apego ao meu passado

Eu já fui minimalista. Aliás, eu já tive o blog Vida Minimalista, no qual escrevia sobre todo o meu processo de desapego, destralhe, redução de objetos, roupas, sentimentos e… apegos que faziam parte da minha vida. Mas a vida não é uma linha reta, a minha, pelo menos, é como um mar cheio de ondas, o que me faz pensar de um jeito em determinado momento, mas pensar diferente em outros momentos. Aliás, acho que não é exatamente pensar diferente, mas mudar as prioridades conforme a necessidade, o que aconteceu quando vivi um período bem intenso e religioso.

Produzir conteúdo sobre minimalismo deixou de ser o meu foco principal e se tornou algo cansativo. Foi bem no início de uma onda minimalista no Brasil, que tive o meu declínio. Todos queriam dar pitaco e vasculhar a vida alheia para descobrir falhas nos outros. Sim, eu vivi isso muito bem! Cheguei a receber email no qual uma leitora me acusava de farsante por ter me visto em um shopping aqui do meu bairro. Ali foi um ponto em que pensei: isso já está doentio e passando dos limites. Foi quando passei todo o meu conteúdo do blog para este meu domínio, com meu nome, pra tentar abordar outros temas e fugir um pouco da patrulha minimalista que cancelava a carteirinha de quem fosse visto em um shopping.

Eu também estava começando a dar aulas de yoga e meu foco de estudos mudou drasticamente para livros e mais livros sobre hinduísmo, posturas de yoga, escolas filosóficas, filosofia védica e tudo mais. Então o minimalismo ficou meio de lado, embora eu ainda tivesse a ideia central de seus princípios muito presente em tudo o que eu fazia.

Em 2019 fui pra Índia. Aquela ideia de um país colorido e alegre, de vidas monásticas, do desapego… tudo caiu por terra ao perceber que a realidade lá não correspondia muito às fantasias ocidentais. Eu nunca havia comprado tantas roupas e quinquilharias em minha vida, como comprei nas minhas duas viagens à Índia. Eu voltei com o limite do limite das malas, ainda comprei uma mochila pra caber mais coisas. Ali foi o ponto final do meu minimalismo. Eu havia me tornado uma compradora compulsiva na Índia, pois não sabia quando poderia voltar pra lá.

Camile Carvalho, blogueira do Vida Minimalista e professora de Yoga

A parte das responsabilidades religiosas com as quais eu havia me comprometido vou deixar de lado nesse texto, o que importa é que, naquela época, eu precisava ter a certeza de que nada faltaria para o trabalho que eu exerceria aqui no Brasil. Eu não tinha onde enfiar mais coisas indianas na minha casa. Aquela estética minimalista e aconchegante logo deu lugar à estética caótica dos coloridos. Enquanto eu buscava paz nas minhas meditações diárias, as cores pulavam na minha frente tirando minha atenção. Mas era assim que tinha que ser e eu precisava lidar com aquilo, pois havia sido uma escolha minha.

Pulando uma boa parte de transformação e retorno à minha vida ocidental e católica, hoje me vejo em um impasse: os anos escorreram pelas minhas mãos. Quando penso em 2019, acho que foi ontem, mas na verdade, tudo isso que eu vivi foi há 4 anos. São quatro anos que me separam de uma Camile bem indiana para uma Camile que quer voltar ao minimalismo. Tudo o que eu tinha e trouxe para o Brasil hoje se encontra em caixas organizadoras no maleiro do guarda-roupas e em embalagens à vácuo. Muitas roupas. Muitos objetos. Apostilas. Livros.  Meu antigo altar…

Eu sei que preciso lidar com isso. Não poderei passar a vida inteira jogando essa parte da minha vida pra um canto escondido e fingindo que não tem nada ali, enquanto outros objetos e roupas do meu cotidiano precisam desse espaço. A verdade é que eu preciso liberar espaço, mas só de pensar em lidar com isso, travo, pois liberar esse espaço, em específico, significa desapegar de uma Camile que já nem existe mais. Não quero me desfazer de tudo mas certamente há coisas ali das quais não preciso e não vou usar mais, só que é o emocional que mais pesa.

Eu preciso enfrentar esse desafio, enfrentar as memórias que virão, as culpas, as lembranças das pessoas que me machucaram, o choro, as fotos… já se passaram quatro anos e eu não quero mais manter sufocada uma parte da minha história somente porque tenho receio de deixar ir. Eu fui tudo aquilo. Hoje não sou mais. E eu sei que vou conseguir lidar com o que está estagnado, ocupando um grande espaço em minha mente até hoje.

Acho que estou pronta pra me libertar. Eu sou a Camile, católica, brasileira, voltando ao minimalismo. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

6 comentários

  1. Olá Camile!

    Acompanho sua jornada desde os tempos do blog Vida Minimalista. É muito inspirador e reflexivo ler os seus textos.

    Obrigado!

    1. Obrigada por deixar esse comentário! Agora fiquei curiosa pra saber quem é, pois está como anônimo. De qualquer forma, seja bem vindo(a) sempre por aqui. Um grande abraço!

  2. Como é difícil revisitar coisas que nos angustiam! Espero que você consiga ir se fortalecendo para desapegar do que precisa ir.
    Eu adoro blogs mas nunca tive blog. Sou leitora apesar de não costumar comentar.
    Isso também tem relação com minhas questões de achar que não tenho nada importante para dizer.
    Mas seguirei acompanhando como já fazia desde a época do Vida Minimalista.

    1. Será um desafio mesmo! Mas sabe, esses dias andei pegando uma das caixas pra procurar algo que precisava e percebi que não me causou tanta angústia. Me veio apenas uma boa lembrança, leve, das coisas boas que passei na India. O tempo vai curando as feridas, sabe? Espero que seja assim, leve…

      Quanto a achar que não tem nada importante a dizer, eu também pensava (E às vezes penso) assim! E olha só, recebo tantas mensagens bonitas de pessoas que se identificam com o que eu falo… isso me mostrou que devo continuar escrevendo, pois nem sempre sabemos a quem estamos ajudando naquele momento. Talvez a pessoa mais tocada por nossas palavras seja alguém que nunca escreveu nos comentários, apenas leu. Tendo isso em mente, eu simplesmente escrevo… ♥

  3. Também passei por essa fase do minimalismo, doei e joguei muita coisa fora, só que agora o meu foco nã é mais minimalismo: o que eu busco é usar menos tecnologia e voltar o máximo que eu puder para as coisas físicas e analógicas.

    Então eu voltei a querer ter mais livros, cadernos, souvernirs, materiais para hobbies e coisas que antes, pra mim não eram mais essenciais porque eu buscava o vazio.

    Mas agora, o paradoxo é que ao mesmo tempo que eu gosto do estilo de vida “vintage”, eu ainda sinto a necessidade de ser leve e ter menos objetos. Estou de novo com apego a várias coisas que antigamente, eu facilmente me desfaria.

  4. Eu também guardo o material de estudo de piano há 6 anos, do mesmo modo, e não uso nem penso em usar tão cedo, talvez nunca mais. Mas não consigo me desapegar assim. É uma fase muito difícil que me remete…. sei bem como é