Hoje fiz mais um declutter. Mas não, não mexi nas minhas roupas, nem na papelada. resolvi ir mais fundo.
Abri o maleiro do meu guarda-roupas, aquele mesmo que eu já havia feito um super declutter há alguns anos e contei aqui no blog. Naquela época, eu tinha muitas memórias, brinquedos da infância, todo meu material da primeira faculdade (Medicina Veterinária) e muita, muita tralha a ser analisada. Foi um processo difícil, de olhar cada objeto em minhas mãos e lidar com memórias, algumas boas, outras nem tanto.
Consegui organizar umas caixas, deixar todas aquelas memórias bem guardadinhas, para um dia, quem sabe, abri-las caso precisasse. Mas não precisei.
Hoje decidi recomeçar meu desapego tanto físico quanto emocional, e tirei cada uma dessas caixas. As coloquei no chão do quarto, e entre poeiras e memórias, fui abrindo uma a uma. O resultado foi impressionante.
Em cada uma das caixas, um pouco do meu passado, da minha personalidade, como se eu quisesse armazenar um registro de quem fui. Como se guardando aqueles objetos, eu pudesse provar a alguém que vivenciei aquilo, que eu sou aquilo que estava ali, armazenado.
Em uma das caixas eu guardava minhas memórias da Medicina Veterinária. Como alguns já sabem, eu sou formada em Medicina Veterinária desde 2007 e caminhei em direção às tecnologias de reprodução de animais de grande porte. Isso, traduzindo, significa que eu inseminava e fazia transferências de embriões, além de acompanhar exposições de Mangalarga Marchador e leilões.
Ali, naquela caixa, estavam também algumas matérias da faculdade, anotações de provas que eu havia guardado e catálogos de leilão. Esta foi uma parte de mim, que hoje vejo que não é mais. E foi só remexendo nessas memórias que me dei conta de que aquelas lembranças – antes felizes – hoje me trazem um sentimento de estranhamento com a Camile que sou hoje. Vou explicar o porquê.
Desde criança sou completamente apaixonada por cavalos. Não sei por qual influência, ou talvez por ser meu animal totem, mas meu sonho sempre foi trabalhar com eles. Montar no pêlo e sair galopando pelos campos, sem hora pra voltar. Aquela sensação de liberdade, de poder, e tudo o mais que um cavalo significava para mim. Fiz equitação e hipismo e, não satisfeita, não tinha outra opção para mim a não ser cursar Medicina Veterinária. Passei pra Biologia, pra Medicina, mas foi a Veterinária que escolhi.
Foram 6 anos de estudos, e de dedicação aos cavalos. No final do curso, eu já estava bem entrosada com os professores e com muitos fazendeiros, sendo constantemente chamada pra fazer parte das equipes sempre que havia uma cirurgia ou uma exposição. Foi a melhor época que vivi, pois ali me sentia realizada. Os semestres passaram e eu estava cada vez mais dentro de um universo um tanto fechado, de trabalhar com animais de grande porte, fazer cirurgias, castrações, descornas, inseminações artificiais e transferências de embriões. Até que – não me recordo como – uma ficha caiu:
“Eu amo animais. Eu amo cavalos. E tudo o que estou vivendo, colaborando, não condiz com esse amor e respeito que sinto por eles.”
Animais de produção – assim são chamados. E a cada dia me sentia mais infeliz por ter escolhido uma profissão que não estava completamente alinhada aos meus princípios de vida: o ahimsa (não-violência), o respeito e libertação animal. Muito pelo contrário, eu os fazia cada vez mais produtos de um sistema no qual o dinheiro era o mais importante. E foi quando rompi de vez com a Medicina Veterinária, aceitando um emprego de editora de vídeo da Rede Record. Sim. Um giro total na minha vida.
Não tive medo de mudar do Rio de Janeiro pra São Paulo, de morar com pessoas que não conhecia nem de ter que enfrentar determinados problemas longe da minha família. Eu queria mudar, e foi depois de um ano trabalhando no meio das telecomunicações, que decidi ingressar na minha segunda graduação: Comunicação Social.
Digo isso pra passar a mensagem de que nunca é tarde para fazer uma grande mudança em suas vidas. Mas agora retornarei ao tema da minha organização do dia. Calma, vocês verão que tudo tem uma ligação.
Enquanto mexia naquelas memórias da Medicina Veterinária, peguei os catálogos de exposições, de leilões, mexi no material de transferência de embrião que ainda tinha guardado. Uma emoção antes presa surgiu em mim, como uma catarse, e chorei. Minha caixa de boas memórias da Veterinária, não passavam de lembranças não muito agradáveis, de como eu estava em um caminho totalmente afastado dos meus princípios. Lembrei dos bois que eu havia selecionado pro abate. Lembrei da égua que caiu do penhasco e o fazendeiro só esbravejava que tinha perdido sei lá quantos mil. Lembrei do Búfalo que peguei no pasto e coloquei no caminhão, pra ser abatido. Quem era eu, afinal, naquela época?
Apenas três coisas pude fazer: pedir perdão por ter contribuído com algo que hoje não concordo, me perdoar (sim, porque isso também é extremamente importante) e agradecer, por ter percebido o quanto mudei nestes últimos anos. Como uma técnica Ho’oponopono (Sinto muito, me perdoe, eu te amo, obrigado).
2007 – era este o ano estampado na maioria das minhas lembranças e, quase 10 anos depois, me encontro no chão do meu quarto, revendo memórias que foram como um soco no meu estômago, mas que antes me faziam feliz. Eu já entendi o recado. Era isso que eu precisava vivenciar, e no momento certo.
Sou grata pela experiência que tive ao rever minhas memórias de momentos felizes. Mas agora é hora de deixá-las ir embora.
E na memória ficará apenas aquele cavalo castanho, sem sela, com sua crina ao vento. Livre, correndo junto aos seus companheiros ao fim do dia.
Livre. Livre. Livre.
Porque foi isso que eu sempre sonhei desde criança. E eu tenho a certeza que em algum lugar, haverá um cavalo em liberdade sendo grato por eu ter mudado de rota.
obs.: este post não é uma crítica à Medicina Veterinária. É apenas um desabafo sobre o caminho que eu estava trilhando dentro dessa profissão. <3
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