A pandemia mexeu demais com todos nós. Algumas pessoas sentiram menos, outras sentiram mais, mas a verdade é que todo mundo, por um momento, repensou a vida, as prioridades, o que realmente importa. Eu já vinha de um furacão pós-Índia desde o final de 2019 e, para mim, o ano de 2020 seria aquele alívio que tanto aguardava após a defesa do mestrado. O alívio que nunca chegou, já que eu defendi o mestrado em uma quinta-feira e tudo fechou na segunda-feira seguinte. Pois é, eu sequer tive tempo pra espairecer com os amigos e tudo virou de cabeça pra baixo.
Passei os anos de caos tentando sobreviver. Nada muito profundo me fazia sentido, eu estava naquele modo em que precisava fazer o básico todos os dias. Acordar, comer, tomar banho, sobreviver. As memórias de mim mesma eram de um passado muito distante. As mais recentes eram da minha vida na Índia, cujo visto acabara de ser cancelado. Eu tive uma crise de identidade enorme, afinal, quem era eu?
Eu assistia alguns vídeos no YouTube e alguns deles eram sobre destralhe. Aliás, acho que muitos aproveitaram o período de reclusão pra cuidar da casa, fazer pequenas reformas, ajustes, organizações e destralhes. Eu olhava pra tudo ao meu redor e não tinha vontade de nada. Destralhar o que? O que fica e o que sai? Eu mal conseguia pensar nas coisas que eu gostava e discernir o que eu não queria mais comigo. Vivi uma dor imensa por vários outros motivos mas, para esse texto, o que mais importa é explicar que eu me olhava no espelho e não me reconhecia mais. Eu sequer conseguia saber do que eu gostava, portanto, o destralhe e organização da casa não era uma opção pra mim, ainda que eu tenha tentado e tenha me desapegado de algumas coisas.
Mas este ano foi diferente. Já conseguindo delimitar melhor o que eu quero pra mim, quem sou, me olhar no espelho e me reconhecer, senti que era chegada a hora de fazer um grande destralhe na casa inteira, aquele destralhe que só em 2012 eu havia feito e compartilhado com vocês no blog Vida Minimalista (quem é dessa época?). Enrolei nos primeiros meses, pensando que estava faltando algo pra começar. Eu não sabia exatamente o que faltava, mas foi nesses últimos dois meses (junho e julho) que a motivação veio. E veio forte.
Mas dessa vez vou contar a vocês que está sendo muito diferente dos desapegos anteriores. Eu sempre fui muito emocional, então minha decisão era muito baseada no que eu sentia, se o objeto me causava alegria (antes da Marie Kondo, tá! – risos) e que memórias aquela roupa ou item de decoração me traziam. Eu só queria manter comigo coisas que, de fato, me fizessem sentir bem. Mas dessa vez está sendo diferente.
Eu vejo as coisas com mais frieza. Talvez essa não seja a palavra certa pra descrever, mas posso arriscar que estou mais racional no meu destralhe. Não olho tanto com a emoção pro que estou em mãos, o que penso é: essa calça combina comigo? É meu estilo? Me sinto bem usando? Combina com várias peças? Com que sapato posso usar? Ah, mas ela carrega uma memória sentimental… não importa. Ela cabe em mim ou fico com a barriga explodindo quando sento?
Eu quero praticidade. Se uma roupa não está mais cabendo em mim (desde 2019 aumentei um número das minhas calças), não tem motivo pra ficar com ela, mesmo eu tendo planos de emagrecer e voltar às medidas anteriores.
Eu olho ao meu redor e penso: como eu gostaria que fosse esse canto da sala? E então imagino um lugar sem aqueles objetos, com uma planta bonita no canto e uma luz quente, acolhedora, pra que eu possa ler no Kindle confortavelmente. Então destralho, doo o que não quero mais, compro uma lâmpada quente pro abajour que já existe e penduro a planta que estava na varanda. Pronto. Resolvido.
Eu acho que ter esse olhar da praticidade tem me ajudado muito a fazer as coisas acontecerem, muito diferentemente de quem eu era há alguns anos, com todo aquele apego emocional aos objetos. Eu tenho pensado muito sobre o meu futuro, onde estarei daqui a alguns anos e como ter muita coisa, em excesso, coloca um peso sobre os meus ombros. Não que eu não seja grata por tudo que tenho, muito pelo contrário. Mas é sobre excesso. Sobre ter além do que preciso. Ter demais apenas por apego, por sentimentalismo, por ter sido caro ou por ter sido presente de alguém.
Há mais coisas que importam pra mim, neste momento, do que me cercar de objetos em excesso. Eu faço a manutenção, a limpeza, eu varro, limpo os cantos, passo MOP no chão, aspirador… e tenho muitos projetos pela frente que preciso de praticidade. É como querer respirar em um ambiente entulhado. E, diferentemente do que eu sentia antes, na pandemia, hoje sei exatamente do que gosto e do que quero tirar e adicionar, tendo o cuidado deste último não ser apenas uma vã substituição de objetos que vão embora.
Certa vez, na psicóloga, no meio da pandemia, me lembro de ter falado pra ela: eu não sei nem do que gosto, nem qual a minha cor preferida! Parece que não me reconheço no meu próprio corpo.
E hoje olho dentro dos meus olhos em frente ao espelho e penso: eu sei o que quero. Sei como me sinto, sei como quero me vestir e o que combina ou não comigo.
Sabe, às vezes passamos por fases difíceis, sem conseguir enxergar um palmo à frente do nariz. Mas tudo passa, e um belo dia sorrimos de volta ao nos olharmos no espelho e o sol volta a brilhar. E então voltamos a nos reconhecer e a saber exatamente as coisinhas que gostamos e o que nos faz bem. O destralhe não é sobre eliminar tudo, com um sentimento de culpa, mas sim certificar-se que estamos cercadas pelo que nos faz bem. E um destralhe, mesmo de forma racional, também guarda seu aspecto emocional quando acabamos de levar todas as sacolas para doação em uma instituição de caridade e voltamos pra casa, leves, olhando ao redor, respirando fundo e observando aquela plantinha pendurada no canto. Para mim, essa plantinha tem muito mais significado que todas aquelas sacolas que farão outras pessoas sorrirem.
E você, o que tem na sua casa que te faz sorrir?